Esquizofrenia


A inclusão deste é interessante para que você, caro estudante, não tenha uma visão restrita e limitada sobre as abordagens existentes para a compreensão da mente humana e as suas patologias. Claro que neste trabalho, como já foi citado na introdução, será enfocada quase que exclusivamente a abordagem da Antipsiquiatria, mas para isto, será apresentada uma breve referência a estas outras abordagens com a finalidade de proporcionar um maior conhecimento sobre como a doença mental pode ser vista hoje.

Abordagem médica

Nesta abordagem encontra-se a crítica fundamental da antipsiquiatria, portanto há um capítulo à parte para descrevê-la melhor. São partidários desta abordagem os neurologistas e os psiquiatras organicistas. Para eles, as doenças mentais são doenças do cérebro e o comportamento anormal resulta de uma desordem biológica mais ou menos grave segundo a doença específica. Seus métodos de tratamento mais usuais são tratamentos de choque, neurolépticos e cirurgias cerebrais.

Abordagem psicanalítica

São partidários desta abordagem uma psiquiatria dinâmica e todos os que se consideram freudianos. A definição de doença mental para eles é um estado de perturbação afetiva ligado à história (infantil) do paciente. Logo, o comportamento é um sintoma somático de problemas emocionais. Seu tratamento é realizado a partir de psicoterapia, que permite ao paciente descobrir a origem de suas dificuldades.

Abordagem sistêmica

Esta é uma das três abordagens da antipsiquiatria que tenta
Compreender a doença mental. São partidários certos psiquiatras e psicólogos que estudam a patologia da comunicação humana proveniente da escola de Palo Alto. Para eles, a doença mental é conseqüência de comunicações familiares ou microssociais patogênicas. O paciente reage com sintomas às manipulações de que é objeto. A terapia coletiva é feita de maneira que a família ou o grupo tenha um melhor conhecimento de seu funcionamento e possa modificá-lo.

Abordagem sacrificial

Esta abordagem também faz parte da antipsiquiatria, mas é centralizada filosoficamente na existência do ser. Essa visão aparece a partir do capítulo três por estar ligada à antipsiquiatria. Seus partidários são psiquiatras e psicólogos (como Ronald Laing, Szasz etc.) que dizem que o rótulo de doença mental tem por função estigmatizar e punir o comportamento dos membros da sociedade que se desviam da norma. O paciente passa a reagir com uma estratégia oblíqua à sua vitimização e à sua exclusão. Seu tratamento seria o de não rotular o paciente. Tratá-lo como um indivíduo com direitos e deveres e respeitar suas vontades.


Abordagem política

A abordagem política para se entender a doença mental também se encontra a partir do capítulo três. São partidários desta abordagem psiquiatras e sociólogos como Cooper, Basaglia, Jervis, Hollingshead, Redlich etc. Para eles a doença mental é uma doença social ligada à opressão e à exploração do paciente. Seus sintomas se dão através da reação de revolta ante uma situação considerada insuportável pelo paciente. O tratamento seria o de lutar por uma sociedade mais justa.
Como irão perceber futuramente, essas três últimas abordagens (sistêmica, sacrificial e política) apesar de serem quase distintas, estão interligadas, pois compõem a visão geral da antipsiquiatria.

A PSIQUIATRIA - abordagem médica da doença mental


A Psiquiatria, especialidade da medicina, surgiu no início do século XIX através de estudos das doenças mentais; procurando-se as causas neurológicas das mesmas através dos estudos neuroanatofisiológicos. Isto se deu justamente na época em que a medicina começara a entrar no sistema filosófico denominado positivismo, que tem por tendência encarar a vida só pelo seu lado prático e útil.

A principal finalidade da Psiquiatria foi - e continua sendo - a de classificar as doenças mentais elaborando assim conceitos, procedimentos e técnicas com finalidades terapêuticas, até então inexistentes naquela época.
A base da ideologia da Psiquiatria, isto é, a sua abordagem frente à doença mental se dá como a maioria dos psiquiatras organicistas pensam. Para eles, segundo Wernicke: “toda doença mental é uma doença do cérebro”. Sendo assim, sob um ponto de vista hipotético, acreditam que as doenças mentais são, de alguma forma, resultantes de afecções somáticas sistêmicas ou cerebrais; ou, em outras palavras, todas as doenças mentais para eles provêm simplesmente e de alguma forma, do organismo.
Para entendermos melhor de onde iniciou-se essa ideologia organicista, temos que dar uma breve olhada na história da Psiquiatria, dar uma olhada em suas origens:

A conjunção das informações de Bayle e de Founier é um marco na história da psiquiatria. Os psiquiatras puderam, então, imaginar que, em havendo uma origem específica para a paralisia geral progressiva haveria também para outras patologias. Estava assim lançada a primeira condição para o desenvolvimento da psiquiatria clínica, com a possibilidade da delimitação das enfermidades psíquicas, que passam a ser concebidas como unidades independentes.

Portanto, a visão organicista da doença mental surgiu desde que Bayler, juntamente com Fournier em 1979, classificou a primeira doença mental: a paralisia geral progressiva, resultante da doença orgânica sífilis (doença venérea marcada pela vergonha e por muito tempo considerada incurável). Partindo-se daí deduziu-se que todas as doenças mentais haveriam de ter sua causa orgânica (como o que aconteceu com a paralisia geral progressiva).
A partir disso surgiram vários estudos neuroanatofisiológicos das doenças mentais e, a fim de ordenar o caos existente na atividade psiquiátrica até então, entre 1856 e 1926, o alemão E.Kraepelin desenvolveu o conceito de unidade nosológica, isto é, um critério de classificação das patologias mentais que tivessem causas comuns, sintomas semelhantes, processo de desenvolvimento igual aos demais e achados anatomopatológicos concordantes.
Após esta sistematização nosológica de Kraepelin, diversos autores contribuíram para a classificação das doenças mentais, mostrando assim não só o lado bom do desenvolvimento da Psiquiatria, como também seu lado obscuro e pouco percebido por muitos.

Alguns desses autores, numa obsessão classificatória e pessoal, multiplicavam o número de tipos e subtipos das patologias já conhecidas. Segundo a Revista da Folha de São Paulo, hoje em dia, no Diagnostic And Statistical Manual of Mental Disorders existem mais de 300 distúrbios mentais registrados e, além disso, psiquiatras norte-americanos estão discutindo a inclusão de mais de 50 novos tipos neste manual.
Um dos maiores críticos do manual de psiquiatria da atualidade é o sociólogo Stuart Kirk, professor da Universidade da Califórnia. Ele diz que muitos destes distúrbios são comportamentos que sempre existiram na sociedade e que seriam considerados normais não fosse o interesse de alguns psiquiatras e da indústria farmacêutica em medicalizar o maior número possível de atitudes que fogem ligeiramente do padrão.

É interessante ressaltar que a visão organicista na Psiquiatria sobre a doença mental não é, segundo Christian Delacampagne em seu ensaio Figures de l'oppression uma ideologia qualquer, nem um pólo - entre outros - da pesquisa psicopatológica: ela é o pólo fundamental e a ideologia de base, aquela a que a Psiquiatria sempre recorre. Além disso, ela ainda mantém a ficção de que um dia será conhecida toda a química das psicoses. Com base nisto, Manuel de Diéquez ressalta exatamente aquilo que a razão européia e a Psiquiatria nela fundamentada têm absoluta necessidade: que a verdadeira fonte da doença mental seja de ordem psicoquímica.
Apesar de o assunto ser Psiquiatria, apresenta-se uma das citações que Thomas Szasz, um dos maiores críticos da visão psicoquímica da doença mental, colocou com sua forma sempre irônica de escrever:

Quem acredita ser Jesus, ou quem acredita ter descoberto um remédio contra o câncer (sem ser esse o caso), ou quem se acredita perseguido pelos comunistas (sem ser esse o caso), terá suas convicções, provavelmente, interpretadas como sintomas de esquizofrenia. Mas, quem acreditar serem os judeus o povo eleito, ou ser Jesus o filho de Deus, ou ser o comunismo a única forma de governo científica e moralmente justa, terá suas convicções interpretadas como o produto daquilo que é: judeu, cristão, comunista. É por isso que acredito que só descobriremos as causas químicas da esquizofrenia quando descobrirmos as causas químicas do judaísmo, do cristianismo e do comunismo. Nem antes e nem depois.

Mas enfim, sendo alimentados pelos resultados ora frágeis da neurologia, o organicismo continua a se voltar hoje para as promessas - ainda mais abstratas - da bioquímica e da genética molecular, com a finalidade de poder, através delas e algum dia, compreender melhor as origens e os processos das doenças mentais. Sendo assim, o psiquiatra continua ainda a ser um médico como os outros mostrando que a doença mental é uma doença como as outras, isto é, uma doença de base orgânica.

A ANTIPSIQUIATRIA – INDAGAÇÃO E REVOLUÇÃO

Antes de mais nada, é bom verificarmos o que vem a ser e como surgiu o termo Antipsiquiatria. A princípio, poderíamos começar pelo prefixo anti, que significa alguma coisa que se contrapõe a outra, de oposição a algo; logo, antipsiquiatria, grosso modo, seria algo que se contrapõe à Psiquiatria.
O termo antipsiquiatria foi utilizado pela primeira vez pelo psiquiatra sul-africano David Cooper em seu livro “Psiquiatria e Antipsiquiatria”, que com alguns estudos de alguns especialistas e juntamente com o psiquiatra inglês Ronald Laing, passou a discordar dos métodos de estudo e das ações da psiquiatria e da psicologia tradicionais, questionando as premissas científicas e filosóficas de onde partem quase todas as teorias psicológicas difundidas, propondo assim novos pontos de partida.

Num dos livros pesquisados, há uma fábula, a dos cegos e do elefante que dará uma base simples para se compreender melhor o questionamento da antipsiquiatria sobre a psiquiatria e também sobre a própria psicologia.
Eram cinco cegos que não conheciam um elefante, não tinham a mínima idéia de como seria e muito menos se esse era um animal. Sendo apresentados a ele, com a finalidade de conhecê-lo, o primeiro cego apalpou suas patas e concluiu: o elefante se assemelha a grossas colunas. O segundo pegou em sua tromba e por ser maleável e comprida pensou ser ele muito parecido com uma cobra. O terceiro cego, pegando a cauda, imaginou o elefante sendo algo parecido com um chicote. O quarto, tateando suas presas, teve a imagem dele como um bastão maciço. O ultimo cego, apalpando as orelhas, disse que o elefante era uma espécie de leque maleável.

Como podem ver, o nosso conhecimento sobre as coisas depende muito da forma como as pegamos, isto é, do nosso ângulo de visão e dos instrumentos que temos à mão para estudá-los. Os cegos só tinham o tato para conhecer o animal e cada um se utilizou desta forma para conhecer a realidade. Além de ser uma maneira restrita de apreensão, usaram-na de forma parcelada, não percorrendo todo o elefante.
A loucura, ou de uma forma mais genérica, a mente humana é parecida com o nosso elefante. A crítica fundamental de Laing e Cooper coloca os psiquiatras e psicólogos tradicionais na posição dos cegos, situados sobre uma maneira restrita de entender o comportamento humano, tateando o seu objeto e traçando teorias e métodos de ação sem perceber que estão abrangendo apenas uma parte do fenômeno. Portanto, o tipo de raciocínio filosófico e científico tradicionalmente usado pela psicologia fornece apenas uma visão fragmentada do que seja a mente humana e seus desvios.

Como se pode ver, a questão principal da antipsiquiatria reside na crítica a uma determinada forma de se fazer ciência. Uma forma estreita de transformar a loucura - uma maneira existencial de ser - numa doença. Para a psiquiatria tradicional, estar louco e estar gripado são a mesma coisa, isto é, ambas são doenças que se contrai, uma por vírus e a outra por causas mais ou menos misteriosas. Mas ambas precisam de um tratamento, uma atuação sobre o corpo ou sobre a mente a fim de fazê-los retornar à normalidade.
A antipsiquiatria tentou alterar este ponto de visão: a loucura não é uma doença da mesma forma como entendemos as doenças físicas. Ela apenas parece uma doença se olhada a partir de um esquema médico-nosológico, mas, se olhada de outro ângulo ela será vista muito mais como um jeito diferente de ser, um jeito não usual de estar no mundo.

Vamos supor agora que o cego que apalpou o elefante pela orelha resolveu arrumar uma caixa, um alojamento para ele. Provavelmente ele arrumaria qualquer caixa do tamanho da orelha e pensaria ser ela o lugar mais adequado para o elefante morar. Fazendo uma analogia, para quem vê a loucura como uma doença também precisa arrumar um tratamento para ela sob o seu ponto de vista, pensando ser este o modo mais adequado para ela. Nisso se pergunta, qual é o tipo de tratamento então utilizado pela psiquiatria? Eletrochoques, psicoterapias, drogas e internamentos - tudo com o objetivo de curar a anomalia e de fazer o indivíduo voltar à normalidade.

Se o cego fosse obrigado a fazer o elefante entrar na caixa, provavelmente ele não se daria conta do erro que estaria fazendo. O mesmo ocorre com a psiquiatria em estar colocando o louco dentro do seu método de tratamento, isto é, forçando-o mesmo que para isso tenha que usar da violência, esquartejando as partes de um indivíduo que deve ser visto como um todo. Estatisticamente, o número de curas realizadas pela psiquiatria é insignificante e mesmo assim se pergunta o porquê de, mesmo sendo insignificantes, a instituição psiquiátrica ocupar um lugar hoje firme e robusto.
Para chegar nessa resposta temos que entrar num pensamento filosófico mais geral e que norteia toda a crítica da antipsiquiatria: a consideração da política e da economia que regem o mundo humano. Por isso que, mesmo os métodos de tratamento psiquiátrico sendo tão ineficazes em termos de cura, continuam a ser largamente usados. A instituição psiquiátrica dentro deste contexto atende os objetivos políticos e econômicos bastante claros, isto é, ela atua como uma espécie de polícia que pune e encarcera os indivíduos considerados improdutivos pelo sistema capitalista-industrialista de nossas sociedades.

Tendo esta visão política - da forma mais genérica possível - de mundo, o elefante não deve ser estudado apenas por uma de suas partes, mas sim como um todo e, principalmente, deve-se estudar as relações que ele mantém com o seu ambiente natural. Portanto, de nada vale fazer como a psicologia e a psiquiatria tradicional em estar isolando o seu objeto de estudo, a mente humana, como sendo uma coisa em si mesma, deixando de lado todo o envolvimento sócio-político-econômico que o homem - dono desta mente - mantém com o mundo.
Para se conhecer realmente a mente humana, ela deve ser estudada dentro do complexo jogo de relações que mantém com outros indivíduos, em seus contextos sociais específicos. Afinal, nosso psiquismo é produto das relações que mantemos com nosso meio sociocultural e nada mais plausível do que estudá-la sobre esse enfoque. Partindo deste pensamento, a antipsiquiatria começou então a estudar as relações do indivíduo com esse meio sociocultural, sendo este um dos seus principais e mais importantes estudos.

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